quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A menina que calou o mundo em 5 minutos

Defensora do Meio Ambiente

O discurso foi feito na ECO 92, por Severn Suzuki, uma adolescente de 11 anos. As crianças vivem no mundo da fantasia, mas são capazes de dizer verdades inconvenientes. Depois de quase 18 anos, este assunto continua a ser uma das principais preocupações mundiais.




Leiam até ao fim e percebam porquê.



“Olá, sou Severn Suzuki e represento a “ECO”, a organização das crianças em defesa do meio ambiente.



Somos um grupo de crianças canadenses, de 12 e 13 anos, que tenta fazer a nossa parte – contribuir.



Nanessa Suttie, Morgan Geisler, Michelle Quigg e eu.



Todo o dinheiro que precisavamos para vir de tão longe, conseguimos nós próprios para dizer que vocês, adultos, têm que mudar a sua forma de agir.



Ao vir aqui hoje, não necessito de disfarçar o meu objetivo. Estou lutando pelo meu futuro.



Não ter garantias quanto ao meu futuro não é o mesmo que perder uma eleição ou alguns pontos na bolsa de valores.



Estou aqui para falar em nome das gerações que estão por vir.

Estou aqui para defender as crianças com fome, cujos apelos não são ouvidos.



Estou aqui para falar em nome dos inúmeros animais que morrem em todo o planeta porque já não têm mais para onde ir.



Não podemos mais permanecer ignorados.

Hoje tenho medo de apanhar sol por causa dos buracos na camada de ozônio.



Tenho medo de respirar esse ar porque não sei que substâncias químicas o estão contaminando.



Eu costumava passear em Vancouver com o meu pai até ao dia em que pescamos um peixe com câncer.



Temos conhecimento de que animais e plantas estão sendo destruídos diariamente e entrando em extinção.



Durante toda a minha vida eu sonhei ver grandes manadas de animais selvagens, selvas e florestas tropicais repletas de pássaros e borboletas, mas agora pergunto-me se os meus filhos vão poder ver isso tudo. Vocês preocupavam-se com essas coisas quando tinham a minha idade?



Todas essas coisas acontecem bem diante dos nossos olhos e, mesmo assim, continuamos agindo como se tivessemos todo o tempo do mundo e todas as soluções.



Sou apenas uma criança e não tenho soluções. Mas quero que saibam que vocês também não as têm. Vocês não sabem como reparar os buracos de ozônio. Vocês não sabem como salvar os salmões das águas poluídas. Vocês não podem ressuscitar os animais extintos. Vocês não podem recuperar as florestas que um dia existiram e onde hoje é um deserto. Se vocês não podem recuperar nada disso, então, por favor, parem de destruir.



Aqui vocês são os representantes dos seus governos, homens de negócios, administradores, jornalistas ou políticos mas, na verdade, são mães e pais, irmãos e irmãs, tias e tios e todos também são filhos.



Sou apenas uma criança mas sei que todos nós pertencemos a uma sólida família de 5 bilhões de pessoas e, ao todo, somos 30 milhões de espécies compartilhando o mesmo ar, a mesma água e o mesmo solo. Nenhum governo, nenhuma fronteira poderá mudar esta realidade.



Sou apenas uma criança mas sei que este problema atinge-nos a todos e deveríamos agir como se fossemos um único mundo rumo a um único objectivo.



Apesar da minha raiva, não estou cega. Apesar do meu medo, não sinto medo de dizer ao mundo como me sinto.



No meu país temos tanto desperdício. Compramos e jogamos fora, compramos e jogamos fora e os países do Norte não compartilham com os que mais necessitam. Mesmo quando temos mais do que o suficiente, temos medo de perder as nossas riquezas, medo de compartilhá-las. No Canadá temos uma vida privilegiada com fartura de alimentos, água e casa. Temos relógios, bicicletas, computadores e aparelhos de televisão.



Há dois dias, aqui no Brasil, ficamos chocados quando estivemos com crianças que moram nas ruas. Ouçam o que uma delas nos contou: “Eu gostaria de ser rica e, se fosse, daria a todas as crianças de rua alimentos, roupas, remédios, casa, amor e carinho”.



Se uma criança de rua que não tem nada ainda deseja compartilhar, porque é que nós que temos tudo somos ainda tão mesquinhos? Não posso deixar de pensar que essas crianças têm a minha idade e que o lugar onde nascemos faz toda a diferença.



Eu poderia ser uma daquelas crianças que vivem nas favelas do Rio. Eu poderia ser uma criança faminta da Somália, uma vítima da guerra do Oriente Médio ou uma mendiga na Índia.



Sou apenas uma criança mas, ainda assim, sei que se todo o dinheiro gasto nas guerras fosse utilizado para acabar com a pobreza para achar soluções para os problemas ambientais, que lugar maravilhoso seria a Terra.



Na escola, desde o jardim de infância, vocês ensinam-nos a ser bem comportados, a não brigar com os outros, resolver as coisas por bem, a respeitar os outros, a arrumar a nossa desarrumação, a não maltratar as outras criaturas, a dividir e a não ser mesquinho. Então, porque é que vocês não fazem justamente aquilo que nos ensinaram?



Não esqueçam o motivo que os levam a assistir a estas conferências.



Vejam-nos como os seus próprios filhos. Vocês estão decidindo em que tipo de mundo nós iremos crescer. Os pais devem ser capazes de confortar os seus filhos dizendo-lhes “tudo ficará bem, estamos a fazer o melhor que podemos”. Mas não acredito que possam dizer-nos isso. Será que estaremos mesmo na vossa lista de prioridades?



Meu pai sempre me disse “tu és aquilo que fazes e não aquilo que dizes”.



Bem, o que vocês fazem, nos fazem chorar à noite.



Vocês adultos dizem-nos que nos amam. Eu desafio-vos, por favor, façam as vossas ações reflectirem as vossas palavras.



Obrigada”.

aplausos, muitos aplausos...





(Severn Cullis-Suzuki - Eco 92)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Cataclismas Ambientais

Fonte: EcoDebate, 17/01/2011

O preço de não escutar a natureza, artigo de Leonardo Boff

[Ecodebate] O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do Estado do Rio de Janeiro – Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo -, na segunda semana de janeiro de 2011, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam freqüentemente deslizamentos fatais.

Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que distribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora.

A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco, pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrário, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.

Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que aí viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.

Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela, a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam. Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.

No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.

Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.

Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.


Leonardo Boff é filósofo e teólogo.


Colaboração de Gilvander Moreira, frei Carmelita, para o EcoDebate, 17/01/2011